Sentir medo faz parte da vida. Desde bebês, sofremos os medos de entender o que é mundo fora do colo da mamãe ou dos braços do papai. Na infância, a curiosidade e a imaginação trazem nuances mais criativas para o medo: “de onde vem aquele barulho? Só pode ser um monstro!”. Assim vai, até aprendermos a lidar com cada um destes medos.
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A psicóloga clínica Maria Regina Brecht Albertini, especialista em psicopatologia infantil, enuncia uma equação para determinar a durabilidade de um medo da cabeça de uma criança: intensidade + frequência + influência do ambiente. A maneira como alguém lida com seus medos e inseguranças está intimamente relacionada à forma como seus pais, desde o início, ensinaram.
De acordo com a escritora Molly Wigand, em seu livro “Por que ter medo?” (Editora Paulus), as crianças necessitam de coragem para examinar seus medos e habilidades para lutar com a tensão do dia-a-dia. E para aprender estas tarefas, elas precisam de adultos que se preocupem em mostrar o caminho das pedras. Como tudo na vida é cíclico, não há medo que se perpetue. Cada fase da vida conta com aflições diferentes e naturais, mas é preciso ficar atento para um simples medinho não se transformar em uma futura patologia.
Asas à imaginação
Clara Lima tem quase 4 anos e é uma criança corajosa no dia-a-dia. Mas, na hora de dormir, tem pesadelos de assustar até os pais. De acordo com a mãe Renata Lima, há noites em que Clara chora e grita dormindo, assustada com seus pesadelos, mais de uma vez. Os temas são comuns a esta fase da infância: princesas e bruxas malvadas. Com pesadelos tão assustadores como os dela, nada como correr para o lugar mais seguro do mundo: o meio da cama dos pais. “Ela dá gritos de madrugada que assustam todo mundo, então ficamos com dó e a colocamos pra dormir no meio de nós dois”, conta Renata.
Na tentativa de ajudar a diluir os medos noturnos da pequena, Renata consultou seu pediatra e até investiu em um tratamento homeopático. “O pediatra falou que poderia ser terror noturno, e prescreveu remédios homeopáticos. Ela começou a tomar e melhorou, mas agora voltou a ter os pesadelos de novo”, diz.
Medo de monstros, bruxas e seres de outro mundo são mais comuns em crianças da idade de Clara do que se imagina. Segundo Maria Regina, é justamente entre os 2 e 4 anos de idade que as crianças começam a ter medo, por exemplo, do escuro e das ameaças que ele pode representar - principalmente quando aliado a um repertório que conta com os monstros da ficção infantil.
Conhecendo o mundo
Mas não só a ficção faz tremer uma criança: quando a distinção entre o real e o imaginário começa a se delinear com mais clareza na cabeça de seu bebê, é justamente a noção de realidade que passa a exercer o papel de vilã. Isabela Vieira, hoje com 7, tinha apenas 5 anos quando teve sua primeira e mais forte manifestação de medo até agora. O contato dela com a fragilidade da vida aconteceu em 2009, com a morte do cantor Michael Jackson. “Eu e meu marido gostávamos muito do Michael. Quando ele morreu, sempre parávamos para ver matérias a respeito na televisão. Foi aí que a Bela começou a sacar que o mundo não era só cor de rosa, e que as pessoas podem morrer”, conta a gerente de projetos Helen Vieira, mãe de Isabela.
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A partir daí, a menina passou a perguntar frequentemente a seus pais por que as pessoas morrem e passou a ter medo de perdê-los. Quando Helen, certo dia, ficou presa no trânsito e se atrasou cinco minutos para apanhar Isabela no balé, ela caiu em prantos com medo de ser esquecida e ficar sozinha.
Medos como o de Isabela são muito comuns e estão calcificados na ansiedade do reencontro da criança com sua família. Segundo Maria Regina, a melhor atitude a se tomar nestes casos é estabelecer rotinas para a criança se sentir mais segura em relação à família. Já sobre o medo da morte, vale prestar atenção para a criança não criar restrições demais em relação à vida pelo medo de morrer ou de perder um ente querido.
Em um ponto as especialistas concordam: quem determina quanto e até quando um medo vai atormentar a vida de uma pessoa é a família. Para ajudar na orientação dos pais, listamos os nove medos mais frequentes no desenvolvimento infantil – e sugestões para lidar com eles.
Medo de lugares e pessoas estranhas
Fase mais comum: 0 a 12 meses
Começar a tomar contato com o mundo pode ser uma aventura bastante assustadora para um bebê. Aidyl de Queiroz Perez Ramos, membro titular do conselho de psicologia infantil da UNESP, conta que desde o início da vida o bebê deve ser ensinado a
conhecer o mundo. Isso significa fazer com que ele se sinta seguro em relação ao lar e à família, mas sem deixar de apresentar o que a vida tem a oferecer. Cuidado extremo e exagerado gera insegurança. Portanto, cuide bem de seu bebê, mas não o acostume a se sentir seguro apenas quando estiver perto de você.
Medo de ser esquecido na escola (abandonado)
Fase mais comum: 2 a 3 anos
E se meus pais me esquecerem aqui? Esta é uma dúvida comum para crianças que começam a se relacionar com o mundo externo e ainda veem os pais como o único e exclusivo ponto de segurança de suas vidas. Chorar no primeiro dia de aula de seu filho só faz com que ele se sinta ainda mais inseguro. A ansiedade do reencontro da criança com sua família provoca este medo. Segundo Maria Regina, a melhor atitude a se tomar nestes casos é estabelecer boas rotinas em relação ao mundo interno e externo da criança, assim ela se sente mais segura em relação à família.
Medo de ser trocado
Fase mais comum: não tem idade
Deixar de ser o único bebê da casa pode ser extremamente ameaçador para uma criança pequena, principalmente quando ela presencia as mudanças que uma gravidez causa em toda a família. Esta situação pode determinar por um bom tempo a relação de seus filhos. Aidyl recomenda reforçar as relações entre o primogênito e o caçula mostrando para seu filho que o bebê vai fazer parte do time dele, o das crianças da casa.
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Medo do escuro e de barulhos
Fase mais comum: 2 a 4 anos
De acordo com a autora Molly Wigand, o ideal nestes casos é mostrar que a razão de todo esse medo e insegurança é apenas a imaginação de seu filho. Se for preciso, embarque na viagem: vistorie com ele o espaço debaixo da cama e os armários e mostre que não há nada no quarto para persegui-lo.
Medo de dormir sozinho
Fase mais comum: 2 a 4 anos
Dormir sozinho é um passo muito importante para o desenvolvimento da criança, mas muitas vezes ela pode se sentir mais insegura em relação à “ausência” de seus pais do que feliz com o novo espaço conquistado. Sofrer ou demonstrar insegurança ao deixar seus filhos no quarto deles só piora a situação. Em vez de fragilizar a relação de seu filho com o novo espaço, ressalte a importância daquela conquista.
Medo do sobrenatural (monstros, espíritos, vampiros, bruxas)
Fase mais comum: 4 a 6 anos
O contato com esse tipo de ficção costuma ocorrer exatamente quando a imaginação da criança está a todo vapor. Se seu filho ainda é novo, escolha melhor os gêneros de literatura, programas de televisão e filmes que ele assiste, para não sofrer tão cedo o impacto da imaginação estimulada pelo sobrenatural. Para a psicóloga Maria Regina, é muito fácil para uma criança confundir o real com o fictício. Assim, barulhos normais que vêm da rua podem se transformar em vampiros sugadores de sangue ou monstros terríveis.
A solução, neste caso, é trabalhar melhor a fronteira entre a realidade e a ficção. Se seu filho tem a imaginação muito fértil, e por isso acaba se assustando ainda mais com o sobrenatural, deixe ele falar a respeito. Escreva histórias sobre esse mundo com ele, desenhe, interprete. Ele adquire mais confiança por perceber que tem o domínio sobre esse mundo imaginário.
Medo do mundo
Fase mais comum: 5 a 8 anos
Passada a fase do contato com o lúdico e o ficcional, as crianças começam a atentar para os perigos da realidade. Nesta fase, ao fazer companhia para os pais no horário do jornal, elas prestam mais atenção na conversa dos adultos e começam a tomar consciência do que acontece mundo afora. Se acidentes, assaltos e tragédias dão medo até nos adultos, imagine para as crianças. “Oriente seu filho a não transformar estes medos em fobias ou quadros clínicos como síndrome do pânico”, recomenda Aidyl. A chave para ajudá-lo é ensiná-lo a ter precaução. Como lidar com pessoas estranhas na rua, ter cuidado com os lugares que frequenta, obedecer as regras de trânsito para atravessar a rua... Ensinando direito e sem instaurar insegurança, a criança entrará na adolescência mais preparada para encarar novos impasses.
Medo da morte
Fase mais comum: 8 a 11 anos
O medo da morte é o mais presente para as crianças neste período, que já estabeleceram a segurança
de estar com sua família e agora vão começar a temer a possibilidade de perdê-la. De acordo com Maria Regina, quando a criança percebe a finitude da existência, pode passar a ter cuidados excessivos com a própria vida. Traços de comportamento hipocondríaco ou obsessivo podem surgir e, nestes casos, é preciso procurar ajuda médica.
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