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quinta-feira, 28 de junho de 2012

De Repente 60-Premio Longevidade Bradesco Histórias de Vida

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> DE REPENTE 60 (ou 2x30)
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> Ao completar sessenta anos, lembrei do filme “De repente 30”, em que a
> adolescente, em seu aniversário, ansiosa por chegar logo à idade adulta,
> formula um desejo e se vê repentinamente com trinta anos, sem saber o que
> aconteceu nesse intervalo.
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> Meu sentimento é semelhante ao dela: perplexidade.
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> Pergunto a mim mesma: onde foram parar todos esses anos?
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> Ainda sou aquela menina assustada que entrou pela primeira vez na escola,
> aquela filha desesperada pela perda precoce da mãe; ainda sou aquela
> professorinha ingênua que enfrentou sua primeira turma, aquela virgem
> sonhadora que entrou na igreja, vestida de branco, para um casamento que
> durou tão pouco!Ainda sou aquela mãe aflita com a primeira febre do filho
> que hoje tem mais de trinta anos.
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> Acho que é por isso que engordei, para caber tanta gente, é preciso espaço!
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> Passei batido pela tal crise dos trinta, pois estava ocupada demais lutando
> pela sobrevivência.
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> Os quarenta foram festejados com um baile, enquanto eu ansiava pela
> aposentadoria na carreira do magistério, que aconteceu quatro anos depois.
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> Os cinquenta me encontraram construindo uma nova vida, numa nova cidade,
> num novo posto de trabalho.
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> Agora, aos sessenta, me pergunto onde está a velhinha que eu esperava ser
> nesta idade e onde se escondeu a jovem que me olhava do espelho todas as
> manhãs.
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> Tive o privilégio de viver uma época de profundas e rápidas transformações
> em todas as áreas: de Elvis Presley e Sinatra a Michael Jackson, de Beatles
> e Rolling Stones a Madonna, de Chico e Caetano a Cazuza e Ana Carolina; dos
> anos de chumbo da ditadura militar às passeatas pelas diretas e empeachment
> do presidente a um novo país misto de decepções e esperanças; da invenção
> da pílula e liberação sexual ao bebê de proveta e o pesadelo da AIDS.
> Testemunhei a conquista dos cinco títulos mundiais do futebol brasileiro (e
> alguns vexames históricos).
>
> Nasci no ano em que a televisão chegou ao Brasil, mas minha família só
> conseguiu comprar um aparelho usado dez anos depois e, por meio de suas
> transmissões,vi a chegada do homem à lua, a queda do muro de Berlim e
> algumas guerras modernas.
>
> Passei por três reformas ortográficas e tive de aprender a nova linguagem
> do computador e da internet. Aprendi tanto que foi por meio desta que
> conheci, aos cinquenta e dois anos, meu companheiro, com quem tenho, desde
> então, compartilhado as aventuras do viver.
>
> Não me sinto diferente do que era há alguns anos, continuo tendo sonhos,
> projetos, faço minhas caminhadas matinais com meu cachorro Kaká, pratico
> ioga, me alimento e durmo bem (apesar das constantes visitas noturnas ao
> banheiro), gosto de cinema, música, leio muito, viajo para os lugares que
> um dia sonhei conhecer.
>
> Por dois anos não exerci qualquer atividade profissional, mas voltei a
> orientar trabalhos acadêmicos e a ministrar algumas disciplinas em turmas
> de pós-graduação, o que me fez rejuvenescer em contato com os alunos, que
> têm se beneficiado de minha experiência e com quem tenho aprendido muito
> mais que ensinado.
>
> Só agora comecei a precisar de óculos para perto (para longe eu uso há
> muitos anos) e não tinjo os cabelos, pois os brancos são tão poucos que nem
> se percebe (privilégio que herdei de meu pai, que só começou a ficar
> grisalho após os setenta anos).
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> Há marcas do tempo, claro, e não somente rugas e os quilos a mais, mas
> também cicatrizes, testemunhas de algumas aprendizagens: a do apêndice me
> traz recordações do aniversário de nove anos passado no hospital; a da
> cesárea marca minha iniciação como mãe e a mais recente, do câncer de mama
> (felizmente curado), me lembra diariamente que a vida nos traz surpresas
> nem sempre agradáveis e que não tenho tempo a perder.
>
> A capacidade de fazer várias coisas ao mesmo tempo diminuiu, lembro de
> coisas que aconteceram há mais de cinquenta anos e esqueço as panelas no
> fogo.
>
> Aliás, a memória (ou sua falta) merece um capítulo à parte: constantemente
> procuro determinada palavra ou quero lembrar o nome de alguém e começa a
> brincadeira de esconde-esconde. Tento fórmulas mnemônicas, recito o
> alfabeto mentalmente e nada! De repente, quando a conversa já mudou de rumo
> ou o interlocutor já se foi, eis que surge o nome ou palavra, como que
> zombando de mim...
>
> Mas, do que é que eu estava falando mesmo?
>
> Ah, sim, dos meus sessenta.
>
> Claro que existem vantagens: pagar meia-entrada (idosos, crianças e
> estudantes têm essa prerrogativa, talvez porque não são considerados
> pessoas inteiras), atendimento prioritário em filas exclusivas, sentar sem
> culpa nos bancos reservados do metrô e a TPM passou a significar
> “Tranquilidade Pós-Menopausa”.
>
> Certamente o saldo é positivo, com muitas dúvidas e apenas uma certeza:
> tenho mais passado que futuro e vivo o presente intensamente, em minha nova
> condição de mulher muito sex...agenária!


Regina
3-° lugar -Premios Longevidade Bradesco História de Vida

                                                            

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